7 de abril de 2007

Cenas brasilienses, I.





A propósito do feriado (Dia das Mães*)

Domingo desses, 6h30, quatro sujeitos saíram de show de axé e vieram trazer um carona aqui pro prédio. Normal. Talvez meio embriagados, resolveram externar sua alegria aumentando o volume da música. Uma mãe, ciosa do sono de seu pimpolho, saiu à janela e pediu para "baixarem o som". Alguém dentro do carro disse que não baixaria. Bem, escrevi "baixaria"? Pois é.
Mãe é coisa linda de Deus. Carrega-nos por nove meses no ventre (alguns, dizem maldosamente por aí, passam dez meses, chamando talvez de burro), sentindo as dores nas "cadeiras", indo ao banheiro toda hora; enfim, sofrendo uma porção de dores que estão nessa fase só principiando. Lavam nossas freadas de bicicleta no fundo das cuecas. Ouvem nossas mal-criações, se decepcionam com nossa ingratidão, mas não desistem nunca de nós. Mãe italiana, mãe judia... (filho não deveria se despentear nunca). Como dói o coração de mãe. Tava dizendo, né?, aquela mãe mostrou lindamente que estava ali, no exercício da maternidade:
- "Baixa esse som, FILHO DA PUTA!"
Ao que os marmanjos responderam, também na defesa de mamãe (no caso, a deles; no delas, ninguém toca):
- O som tá alto, mas fdp, não!
Um saiu, abriu a porta traseira, e saíram desfilando seus alto-falantes alto-falando entre os quatro blocos, dois a dois perfilados, que começam a quadra. Indo e vindo, tocando "quebra aí, quebra aí, olha o Asa aí!..." Enquanto isso, outras mães e pais, talvez meio chateados (até eu que soube da notícia longe dali, no trabalho), também acordavam e punham a cara pra fora, procurando a origem daquela alegria toda. Em casa, o pequeno Felipe acordou como sempre, não importa a hora da manhã ou madrugada: fazendo festa. Alheio à revolta dos adultos, que não percebem que a vida é curta, gritava e pendulava animadamente.
Curtindo o IBOPE (ou Datacensus, ou Gallup) alcançado, os quatro festeiros seguiam até o fim da rua e voltavam, amealhando mais e mais admiradores. Incrivelmente, conseguiram tirar da cinza passividade/frieza/distância uma porção de candangos**. Com xingamentos, ameaças, bravatas, estavam todos à beira da situação que batiza localidade perto do Rio Araguaia: "Cacete Armado" (se forem comigo, paro lá para vocês sentarem um pouquinho). Aquela galera toda muito macha, mas frouxa, não querendo passar batido, começou a lançar o que podia pela janela: sabão em barra, tomates, e ovos, principalmente (olha a maternidade sendo desrespeitada novamente**). A rua ficou batizada de ponta a ponta. Nesse momento, pude medir que a vizinhança já curtia a situação pelo tom de voz da patroa, que se sentia vingada.
Os quatro cavaleiros da insensatez, no entanto, estavam fazendo história para contar depois, e permaneceram mais um tempo ali, desafiando, como se estivessem realmente peitando uma multidão. Na verdade, não. Todo mundo gritando, mas ninguém descia. Ficou assim nessa fuleiragem até lançarem uma jarra de vidro, e pouco depois chegar a polícia. Três camburões, coisa e tal, melhor prevenir um linchamento, ensejou-se melhor condição para ambos os lados mostrarem coragem. Os mais gaiatos começaram a cantar a mesma música que antes vinha do carro. Pra resumir, e acabar com aquela cacarejada toda, "VAMO PRA DP". Ouvidas as partes, terém terém, volta todo mundo pra casa, as rodas palpitando e repisando o ocorrido.
Só assim pra dar uma cara de quadra residencial ao ajuntamento de pessoas daqui. Neste local não tem essa de conversa espontânea na rua, não. Senso de comunidade? Necas. Meu guri às vezes quebra o gelo. Não é que o povo, agora, ao ouvir um som de carro mais alto, vai logo pras janelas? Muito lindo isso.

MORAL DA HISTÓRIA: como disse o bruxo do Cosme Velho, reloaded do velho botequim: "a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo”.




* pra não dizerem que sou oportunista.
** Aqui em Sobradinho parece ser pior. É uma espécie de mistura entre esnobismo jeca com frieza desumana.
** vou abrir uma ONG. Isso não pode ficar assim. Não à utilização de ovos na alimentação.


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E o "!!!" (chic, chic, chic), hein?

Um comentário:

Marco disse...

Ah... O blogteco voltou em grande estilo...
Sobre esse pequeno tipo de praga urbana, os que impõem som alto à humanidade, eu já até escrevi sobre isso no Antigas Ternuras. Mas parece que os rapazes da história queriam por um pouco de animação na vida imbecil que levam. É duro vir ao mundo e só ter esse tipo de história para contar quando eles forem velhos. Talvez eles se envergonhem e nem contem isso.
Valeu, Lúcio. Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.